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Bem Vindo

sábado, 6 de julho de 2013

Saudade do Roda

O Roda (ou A Roda) Bar
Funcionava na escadaria da Rua Trajano


O Roda Bar, localizado na Rua Trajano (esse era seu nome, por causa das muitas rodas de carroça que tinha no interior e na entrada) servia um “casadinho de camarão” sem igual e a melhor “batida de maracujá” da cidade. Entre os desconsolados habitués do boteco que desaparecia estavam o engenheiro e pintor Átila Ramos, o jornalista Oscar Berendt, o funcionário público Celso Nunes e o empresário Silvio d’Aláscio.
Segundo o professor Remy Fontana:

"O Roda Bar era realmente uma confluência, tremendo agito (...) ele era mais jovem, se bebia muito pesado ali, boteco de encher a cara mesmo"

Momento de inquietações, o período posterior ao golpe militar de 1964 e com a montagem do aparato da ditadura militar, trouxe uma grande agonia política, mas também existencial. Essas agonias se refletem na relação com o álcool, a diversão e a conversa.
Então, o Roda Bar era mais festar e beber. Era papo, muito papo.

- Mas havia um inquietação cultural, política. Já estávamos em plena ditadura militar, em um momento bem pesado, 1968, 1969, 1970. O Roda era um ponto de desafogo, de encontros de amigos.
O jornalista Jeferson Lima, a partir de informações colhidas junto ao artista plástico Átila Ramos, escreveu em um artigo:

O Roda ficava na Escadaria do Rosário, era administrado por um casal de idosos que fazia questão de manter o silêncio quando o ânimo dos habitués eram demasiadamente alterados pelo álcool.

O Roda era frequentado por Átila Ramos na década de 1960, na época estudante de engenharia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Em mais de uma ocasião, depois de beber 'algumas', o acadêmico esqueceu ali a sua pasta escolar.
Por sua vez, Celso Martins, acrescenta outras informações, a partir de suas memórias:

O Roda Bar ficava na rua Trajano, nos fundos da antiga secretaria da Fazenda e onde funciona a PMF (a área é usada para estacionamento), mais ou menos na frente da Real Color. O espaço era maior e a frequência mais diversificada - entre por volta de 1973/74 e 1976-77, período em que o Centro histórico se esvazia com a transferência de quase tudo para as imediações da Beira-Mar (os cinemas fecham, os bares também). Os estudantes que fizeram a Novembrada, quase todos, se reuniam ali.

Gerônimo Wanderley Machado, aborda Q Roda Bar por um viés duplo: - primeiro como morador da cidade e segundo como liderança estudantil:

Mas nós que eramos da cidade, eramos mais conhecidos né? Volta e meia, claro, a polícia sabia quem éramos nós, é claro que nós também íamos no Roda Bar. Muita gente ia né? E sobretudo porque tinha nossos aliados, os nossos amigos, que eram bebedores contumazes e que eram de bar (...) Se tu pegar, por exemplo, o Costa Ramos, o Bonzon, o Galloti, e vários outros que eu não tô lembrando. As pessoas que eram da cidade, iam as lideranças umas e outras nos bares, que saiam mais na rua; porque havia estudantes, lideranças, digamos assim e que não eram da cidade que também não conheciam muito bem, não eram muito bem enturmados, fora da sua turma de esquerda.

O Roda Bar surge aqui como um pedaço onde ocorria uma congregação dos estudantes da cidade. Era ali que se ia para tomar uma cerveja ou a famosa batida de maracujá, encontrar os amigos, bater um papo com os colegas, preparar-se para alguma festa. Em uma rápida entrada nesse bar:

Um ou dois lances de escadas e se deixava a calçada para entrar no O Roda Bar.

No fundo, num plano mais alto, o balcão, com bancos. As mesas eram dispostas nas laterais, com cinco ou seis fileiras de cada lado. Havia garçom. Cerveja, pinga com 'undenberg', caipira; linguincinha frita, batata frita.


Era frequentado pelos moradores da cidade – como a grande maioria dos bares existentes aqui – mas nele era permitido o acesso de estranhos, aqueles que não faziam parte das redes familiares presentes então, desde que estivessem associados a alguém conhecido.
Também nele, antes da radicalização política de 1968, ano em que a ditadura militar exacerbou seus meios repressivos, ocorriam alguns encontros das lideranças estudantis que, para descontrair um pouco, desciam do DCE, na Álvaro de Carvalho, pela Tenente Silveira, entrando na Trajano, e articulavam uma coisa ou outra no Roda. Mas mesmo com a repressão aos espaços de conteúdo público por parte do regime militar e do silenciamento político.

Percebemos – pela colocação de Celso Martins sobre a Novembrada – grande manifestação estudantil ocorrida em 1979, contrária à visita do então Presidente General João Figueiredo – que O Roda se manteve ao longo da década de 1970, como ponto referencial das esquerdas. Funcionava como uma espécie de segunda ou terceira casa para vários desses estudantes, sendo muitas vezes o lugar onde se ia para encontrar amigos que normalmente não seriam encontrados em casa em determinados momentos do dia ou da noite. Este espaço pode ser sem dúvida, referido como um "pedaço" de certa cultura urbana que viceja em Florianópolis.

Ao lado do Roda Bar, existia uma filial da Churrascaria Riosulense, frequentada por figurões da cidade. Nela dificilmente entraria um dos frequentadores do Roda Bar ou vice-versa. Havia, portanto, uma proximidade física desses espaços, mas elementos simbólicos distintos, construiram segregações geracionais e culturais, refletindo em acirradas disputas pelos espaços de lazer na cidade.
Afinal, os grupos sociais conservadores também mantinham seus bares em lugares demarcados. Significava, em todo caso, uma demarcação de diferenças em relação às camadas populares e às novas gerações de estudantes de classe média.


Mas esses espaços se cruzavam constantemente. Muitas vezes um ao lado do outro, era comum o encontro de políticos, estudantes, boêmios, entre outros, pelas ruas da cidade quando esses se dirigiam aos seus espaços.

  “O fim foi aos poucos, porque a Celesc cortou a energia os clientes frequentavam o local sob a luz de lampiões e obrigou os donos a sair comprando água e cerveja na redondeza para não frustrar os clientes”.
 Carlos Dutra e dona Iraci, os proprietários, sempre tiveram cuidado com a ordem e a disciplina, e eram admirados pela freguesia. No final, eles fizeram questão que todos levassem para casa as rodas e os lampiões como souvenires.
Quando já não havia outra saída a não ser fechar o Roda Bar, seus proprietários e os frequentadores mais assíduos decidiam prestar uma homenagem ao estabelecimento. Fizeram discursos emocionados e até os mais discretos e retraídos caíram no choro com o fim melancólico.
No final, os proprietários fizeram questão que todos levassem para casa as rodas e os lampiões como souvenires.



2 comentários:

  1. Excelente. Na época existia um restaurante na rua trajano, alguem pode me falar qual era o nome dele?

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