- Não se despreza documentos oficiais ou fontes fidedignas para garantir a credibilidade; em matéria de História jamais poderá prevalecer à lei do menor esforço, o que hoje é uma verdade amanhã pode ser contestada.

A busca por fatos, informações, a pesquisa, reconhecer a qualidade no esforço e trabalho de terceiros, transformam o resultado em um caminho instigante e incansável na busca pela verdade.

Dividir estas informações e aceitar as críticas é uma dádiva para o pesquisador.

Este blog esta sempre em crescimento, qualquer texto, informação, imagem colocada indevidamente, dúvida ou inconsistência na informação, por favor, me comunique, e aproveito para pedir desculpas pelo inconveniente.

(Consulte a relação bibliográfica).

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Bem Vindo

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Floripando

Décadas de Florianópolis

Meditações sobre a Cidade
Para quem, através de leituras, fotografias e, mesmo, lembranças, se detém na imagem de Florianópolis da última década do século XIX até meados dos anos cinqüenta do século XX, há de admirar-se e até de espantar-se pelo tanto que cresceu esta cidade, se comparado aquele período com o que se lhe tem seguido até hoje, mais precisamente a partir dos anos sessenta.
As mutações por que passam os lugares onde nascemos ou criamos raízes e nos quais nos deixamos estar, por princípios ávidos de acomodação, são semelhantes, “mutatis mutandis”, às mutações da moda. Quase não as percebemos e nos parecem corriqueiras no seu discreto passar e no seu constante evolver.
Se compararmos com imagens do passado, muitas vezes não tão longínquas (fotografias e filmes), o espanto é grande:

Em 1940, o Estreito não possuía nenhuma rua com calçamento.

A Avenida Mauro Ramos também não era calçada.

Em 1940, nas tardes ensolaradas, descia-se a Rua Esteves Júnior, cheia de casarões, chácaras e outras belezas. Um ar de modorra ali pairava. Um silêncio benfazejo, assustado aqui e ali pelo canto dos pássaros e pelos assobios do vento nordeste, que se encanava por ali, vindo da Praia de Fora.

Atravessava-se calmamente a Avenida Rio Branco sem calçamento, a única via que tinha o topete de cortar a Rua Esteves Júnior.
Automóveis, nenhum!
Deserto também de gente. Um ou outro gato pingado, perdido naqueles caminhos.

Chegado ao Jardim do Katcips (bem que poderia ter esse nome), você dobrasse à direita, lá ia pela Rua Bocaiúva a fora “Praia de Fora” faceira; berço da aristocracia.
Sempre sobre o chão de terra, você alcançava a Agronômica, a Penitenciária, a Trindade...
Se dobrasse à esquerda, entrava na bucólica Rua Almirante Lamego, antiga “Rua de Sant'Ana”, também com leito de terra.
No fim desta, as cercanias da Praia do Müller era quase uma floresta. Ali podia esconder-se até o crime.
- Foi o que ocorreu, pouco antes de 1940, com uma pobre mulher, que teve o seu corpo barbaramente esfaqueado, nunca se soube por quem.
O ambiente deserto fora propício ao crime perfeito.

A Rua Presidente Coutinho, também sem calçamento, era praticamente mato só. Quem se lembra da “Capitoa”, pobre mulher, mas rica reprodutora de crianças de todas as cores, que a seguiam como um batalhão pelas ruas da cidade a guerrear a fome com as armas da esmola...
O batalhão da miséria era alvo predileto da chacota popular.
Pois, a Capitoa tinha ali o seu barraco, quase na esquina com a Rua Nereu Ramos.

Um dos lugares mais solitários era a Praça Getúlio Vargas. Hoje, aliás, ainda conserva um toque de soledade.

O Largo Fagundes parecia, com raras exceções, a Praça da Enseada do Brito, deserta.

A Felipe Schmidt acabava, como rua, no atual prédio da Família Amin Helou.

A Rua Hoepcke, hoje calçada, era a maior perambeira que já se viu nesta cidade. Os que a tinham de subir ou descer bem podiam receber a medalha de alpinistas.

A Estrada do Saco dos Limões empatava com as de desenho animado, um caminho difícil e tortuoso.

Em 1945, o Estreito parecia uma cidadezinha de faroeste americano.

Em 1953, não havia nem sombra de Estação Rodoviária junto à Maternidade Carmela.

Nos anos 1960, a freqüência da elite elegante no Clube 12 de Agosto ou Clube Lira.  

O Campo do Manejo (Largo General Osório), talvez há mais de um século com a mesma área e casario, ainda teria de esperar quinze anos para dar lugar ao atual Instituto Estadual de Educação.
Por quase todo esse tempo, viveu cercado por alta parede de tábuas. Sobre esse local, permitam-me contar-lhes um fato pitoresco:
- Quando o presidente da República Getúlio Vargas aqui esteve a inaugurar o Grupo Escolar do Saco dos Limões, o interventor Nereu Ramos o levou a visitar aquela área, onde já se visava construir o novo Instituto de Educação. Ali chegando a comitiva, o presidente viu alguns garotos a disputar uma “pelada”. Amigo das crianças chamou os garotos e lhes disse mais ou menos isto:
- “O Doutor Nereu me disse que vai mandar construir aqui uma grande escola e para isso vai ter de cercar todo este largo. Como farão vocês, então, para jogar o seu futebol?”.
Um dos garotos não titubeou:
- “Nós pulamos a cerca”.

- Tudo isto e mais alguma coisa, virou em tão pouco tempo um passado que parece século. No entanto, pouco foi o tempo em que a cidade - que para muitos nunca sairia do seu provincianismo material, por ser terra de funcionários públicos - saiu da sua letargia, contornou e subiu o Morro do Antão, afogou o Estreito e, não achando mais chão, está subindo aos céus e conquistando o mar.

Crônica originalmente publicada no jornal O Estado, extraída do livro "Painéis", editado pela Fundação Catarinense de Cultura em 1982.
Abelardo Souza nasceu em Florianópolis em 18 de fevereiro de 1920 e morreu em 1986. Foi professor e inspetor geral do ensino (mestre-escola) em Santa Catarina. Era também músico, autor de hinos, canções e marchas carnavalescas.

O Governador Construtor

COLOMBO MACHADO SALLES
Foi governador nomeado do Estado de Santa Catarina e construiu a ponte de nome próprio - Colombo Salles adverte para os riscos de estrangulamento urbano em Florianópolis.

"A Capital exige planejamento cauteloso"

Estar no lugar certo na hora certa. Talvez essa condição de causa-e-efeito tenha sido determinante para que o engenheiro Colombo Machado Salles, um homem tímido, mas respeitado profissionalmente, inscrevesse seu nome em definitivo na História de Santa Catarina. Graduado pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná, especializado em portos, vias e canais, ingressou no serviço público federal mediante concurso público e galgou os mais importantes postos em sua especialidade, chegando à direção do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis. Além disso, implantou a estrutura administrativa que daria origem ao Governo do Distrito Federal e foi professor de universidades em Goiás, Brasília e Santa Catarina.
Em 1970, foi surpreendido com a notícia de que seria o novo governador de Santa Catarina, o primeiro eleito de forma indireta, em substituição a Ivo Silveira. Antes mesmo de assumir, já tinha uma determinação: - construir a segunda ligação entre a Ilha de Santa Catarina e o Continente.
Ponte inaugurada em 08 de março de 1975 e que receberia seu nome.

- Nesta entrevista exclusiva para o jornal “A Notícia”, concedida no dia 06 de janeiro de 2005, o ex-governador faz revelações sobre a casualidade que o levou à atividade política, sobre os principais eventos relacionados à construção da ponte e, ainda, sobre as decepções que marcaram sua vida, principalmente quanto ao aterro da Baía Sul.

- A Notícia – Quando é que o senhor percebeu a necessidade de uma segunda ponte entre a Ilha de Santa Catarina e o Continente?
- Colombo Salles – Foi em janeiro de 1969. Eu trabalhava no Ministério dos Transportes, ligado diretamente ao ministro Mário Andreazza. Um dia ele me chamou e disse:
- “Tenho aqui uma correspondência oficial vinda do Itamaraty. Está lacrada. Eu sei o que é”.
Respondi-lhe:
- “Se está lacrada, não quero saber”.
Então ele me deu a determinação:
- “O senhor vai a Santa Catarina, entregar ao governador do Estado, doutor Ivo Silveira. Vai para casa agora e não comenta isso com ninguém”.
Voei num avião da Cruzeiro do Sul que ia direto para a capital catarinense. Quando eu abri o Jornal do Brasil, o conteúdo da minha correspondência estava todo ali. Chegando a Florianópolis, fui para o Palácio da Agronômica. O governador já tinha lido o jornal.
Quando lhe entreguei a correspondência secreta ele disse:
“Acho que já conheço o conteúdo”. Abriu.
Era do Ministério das Relações Exteriores comunicando que havia ocorrido problemas em duas pontes nos Estados Unidos (Silver Bridge, sobre o rio Ohio, e St. Mary Bridge, em West Virginia), similares à Hercílio Luz. Eram pontes pênseis projetadas para rodovia e ferrovia. Era um modelo só, com um cálculo só. É ponte só na travessia do canal, com dois viadutos laterais. Essa ponte do canal era sustentada por barras que têm um pino no meio. Lá nos Estados Unidos houve uma ruptura desse olhal que ligava as duas hastes.

- AN – Os catarinenses, então, corriam o risco de perder a única ligação da capital com o continente?
- Colombo – Como das três só tinha ficado de pé a Hercílio Luz, o Ministério achou por bem recomendar uma vistoria. Entreguei a correspondência para o governador. Minha missão foi cumprida. Fui a Laguna e voltei a Florianópolis. O governador me disse que ia se dirigir diretamente ao presidente da República. Mais tarde Mario Andreazza me disse que Ivo Silveira havia feito uma exposição de motivos ao presidente da República, pedindo dispensa de concorrência pública para construção de uma outra ponte. Não vi o texto, só soube pelo ministro.

- AN – O senhor continuou em Brasília?
- Colombo – Não. Andreazza me mandou para Santa Catarina, para trabalhar no Governo do Estado. O ministro queria o meu apoio no Estado para a sua eventual candidatura à Presidência da República. Ivo Silveira me nomeou para o Plameg (Plano de Metas do Governo). Três meses depois, recebi um telefonema de Andreazza, me convocando de novo para Brasília, onde assumiria a diretoria do DNPVN. Era o auge da minha carreira, o ponto mais alto. Pedi demissão do Governo do Estado e assumi o departamento. Tempos depois, fui convidado para dar uma palestra em São Paulo, cujo tema era justamente a minha especialidade técnica. Quando eu estava no meio da exposição, o presidente do diretório acadêmico surgiu e me interrompeu. Quando a gente está fazendo uma exposição numa universidade e surge no meio o presidente do diretório a gente pensa:
- “Dei uma bola fora”.
Pior ainda, o assunto não era muito bem recebido pela população. O rapaz disse:
- “Eu estou interrompendo porque a Hora do Brasil acaba de anunciar que o nosso palestrante foi indicado para a eleição indireta, pela Assembléia Legislativa, para o Governo do Estado de Santa Catarina”.
Me preparei para uma vaia.

- AN – Foi aí que o senhor soube?
- Colombo – Foi. Eu soube pelo estudante. Nunca ninguém me falou quem teria sido o responsável. Sabia que o doutor Muniz Aragão (secretário da Saúde do governo Ivo Silveira) era candidato, e ele era um homem muito correto. Pronto para ouvir uma vaia depois que o líder estudantil falou, para surpresa minha, fui aplaudido. Aí acabou a palestra, acabou tudo. Voltei para casa no dia seguinte e depois fui falar com o Mario Andreazza. Ele disse:
- “Vai deixar o cargo que você gosta para ocupar um cargo político?”.

- AN – Quem escolheu o senhor?
- Colombo – Não sei. Desconfio.
O Andreazza dizia:
- “Você está maluco”.

- AN – Mas não foi o Andreazza?
- Colombo - Não foi ele.

- AN – O senhor procurou saber?
- Colombo – Sim. Mas fui ao presidente da República Emílio Médici, ele não me disse nada.
Presidente, meu último ancestral político foi o Lauro Müller, irmão da minha avó. E o Felipe Schmidt, que era primo do meu pai. Meu pai não teve atividade política e eu fui criado na geração do Getúlio Vargas, quando, como o senhor sabe, não havia manifestação política, não havia nada. Nunca me envolvi em política. Nunca assisti um comício. Ele olhou para mim e disse:
- “Eu também não”.
Presidente, o que é que eu faço?
- “Vai trabalhar, vai”.
Ele me tratava com muito carinho. Fizeram muita injustiça com ele, Médici não era esse homem de quem falam, de “era de chumbo”. Governei Santa Catarina durante quatro anos, nunca ninguém foi agredido com atos, gestos, palavras, ninguém foi preso.
Tinha uns processos na CGI, duas personalidades importantes. O almirante estava sozinho aqui, convivia muito com agente, fizemos amizade. Um dia, uma personalidade daqui, de muito respeito, me procurou, triste porque tinha um processo na Comissão Geral de Inquérito (CGI) contra ele. Um industrial de Blumenau também estava sendo investigado.

- AN – Quais eram os nomes?
- Colombo – Embora já tenham morrido, prefiro não citar os nomes. Falei para o almirante sobre o que havia na CGI. Nada. No outro dia, me telefonou. Um deles era uma situação tão absurda, que mandei eliminar. O outro era problema de recolhimento de impostos. A pessoa recolheu tudo certo.

- AN – Já havia um projeto para a ponte quando o senhor assumiu?
- Colombo – O projeto do aterro da Baía Sul é de minha autoria. O governador Celso Ramos (administrou o Estado no período de 1961 a 1965) gostou muito, conseguiu a aprovação e na transferência dos documentos do ministério da Viação e Obras Públicas (depois Transportes), do Rio para Brasília os documentos desapareceram. Quando eu assumi, o aterro já estava aprovado. Como eu tinha sido presidente do conselho de administração da Companhia Brasileira de Dragagem, na qualidade de diretor geral do DPVN, consegui imediatamente a draga. Muito antes de começar a construção da ponte, o aterro já estava quase pronto. Com o projeto do aterro, já fizeram também o planejamento para duas pontes e o projeto dos túneis. Tinha recursos para isso, que foram utilizados para ampliar a Beira-Mar Norte. Não quis começar o aterro do Saco dos Limões (Via Expressa Sul) porque não ia terminar, era uma questão de ética.

- AN – É certo afirmar que o aterro não seguiu o projeto original?
- Colombo – Como tinha esse aterro, eles projetaram duas pontes, que se chamariam Paulo Fontes, que projetou o primeiro aterro e Gustavo Richard, que era o vice-governador de Lauro Müller. Foi feito então um projeto de ocupação do aterro. Era muito bonito, foi aprovado pela lei federal 5.013, de 9 de outubro de 1974. Foi revogado pela lei 5.483 de 9 de outubro de 1978, da Assembléia Legislativa. Foi revogado porque a Câmara dos Vereadores de Florianópolis não aprovou o projeto, deixou em banho-maria. Haveria um centro comercial, que manteria todo o sistema comercial. Hoje está uma balbúrdia no trânsito, porque o comércio grande está se deslocando. Havia um projeto de um shopping, onde haveria local exclusivo para o comércio. Havia uma parte de edifícios um centro administrativo oficial. Havia uma parte para escritórios, outra para residências de pessoas de baixa renda, para não gastar com transporte, e uma área reservada para um centro ecumênico.

- AN – Por que a Câmara de Vereadores não aprovou?
- Colombo – Esse projeto chegou à Câmara de Vereadores e foi bombardeado. O vereador Valdemar da Silva Filho (Caruso) dizia que o aterro era “o enterro do Desterro”. Por causa da oposição, que dizia que afastei Florianópolis do mar, a Câmara não aprovou. Outros governadores fizeram modificações posteriores. Tenho um carinho especial pelo aterro, porque nasceu da minha cabeça, mas virou uma balbúrdia.

- AN – Não havia outra solução?
- Colombo – Foi um problema econômico também. Economizamos um vão de ponte, a ponte ficou mais curta, mais barata. Sabe qual é a profundidade das fundações? Nove metros de água e 70 metros de argila orgânica. Desci várias vezes para conhecer os trabalhos. As fundações são caras e é a parte que não aparece.

- AN – E aquela estação de tratamento de esgotos? Havia alguma previsão?
- Colombo – Havia um projeto de esgoto, comprei várias áreas de decantação, não sei porque não executaram. Aí resolveram colocar o esgoto no aterro. É uma pena, na entrada na cidade.

- AN – O fim do Miramar é motivo para lamentação na capital. Como é que isso ocorreu?
- Colombo – Ali não dava para chegar, era lodo puro, não dava para usar. Quando a maré subia, chegava nas lojas. Sou muito criticado por causa do Miramar. Mas o Miramar caiu, não foi derrubado. Era um trapiche coberto, não tinha estilo, não tinha nada. Era freqüentado por pessoas sem muito conceito. À noite ninguém ia ali. Cheguei a limpar o local, fiz várias exposições, não ia ninguém, porque quem freqüentava não tinha bom conceito. Quando veio a draga, a estrutura foi abalada.
Muitos dos que criticam o Miramar nem conheceram o trapiche.

- AN – Como é que o senhor avalia o futuro de Florianópolis?
- Colombo – Urge a necessidade de uma revisão de planejamento cauteloso, com base em pesquisas e competência para o futuro. A desordem grassou aqui, cresceu, e hoje está difícil dirigir pelas ruas projetadas, antigas. Há necessidade de um sistema viário secundário, como a via expressa, que tem um ramo que liga à Beira-Mar Norte (Rua Antônio Edu Vieira). Ela foi projetada para ser a continuação da Via Expressa. Tem que encontrar outra solução.

- AN – O senhor saiu do governo frustrado com alguma coisa?
- Colombo – No setor de transportes, de todos os 25 projetos que tinha para realizar, o único que não concluí foi o da BR-282. Mas a estrada longitudinal ligando São Miguel do Oeste a Lages só foi possível porque fizemos de Rio do Sul a Campos Novos. Então, houve um dispêndio que não estava previsto no projeto. E até hoje não concluíram a BR. Isso me decepcionou. Também o processo não foi debatido.
A Câmara de Vereadores me decepcionou não aprovando a urbanização do aterro.

“A Cidade teria outro aspecto.”

Entrevista publicada em 15 de março de 2005 – No jornal A Notícia – Suplemento especial sobre os 30 anos de inauguração da Ponte Colombo Salles


Florianópolis e o Cinema
“O Preço da Ilusão”
do Grupo Sul

 “O Preço da Ilusão”, o primeiro longa-metragem rodado na capital catarinense, em 1957, sob a responsabilidade do Grupo Sul.

Imagine-se viver numa cidade como Florianópolis, há 50 anos, com uma população ultraconservadora e provinciana – não ultrapassando a casa dos 80 mil habitantes. Naquele tempo ainda havia carros-de-cavalo de aluguel, os carrões dos playboys, o Miramar, o porto e uns poucos arranha-céus de 10 andares. As moças ainda faziam o “Footing” em torno da Praça XV e usavam vestidos que lhes escondiam os joelhos. Rapazes e Senhores envergavam seus ternos, usados de preferência com uma camisa branca e com uma gravata preta, fininha – capazes de causas “Oh’s” de admiração nas moças.

Florianópolis era pacata, até, recatada: parecia parada no tempo, avessa a mudanças.
Mas só parecia.

Esta seria, é claro, a primeira impressão de algum incauto observador que enxergasse apenas a superfície da cidade. Sim, pois nem tudo era pacato e nem tudo cheirava a atraso e monotonia:
Mas, havia o Grupo Sul e uma inquietação anormal, um grupo que, em fins da década de 1940, empurrara o ranço parnasiano da Ilha para o purgatório, trazendo, para a antiga “Exiliópolis” do século XIX, um movimento que transformara a arte e a cultura brasileira no princípio dos anos 1920 com o Modernismo.
Para aquela pacata e provinciana Florianópolis, o florescimento de inquietações incomuns representava, sem dúvida, uma ameaça às estruturas culturais convencionais, conservadoras e distantes da realidade, Bem Distantes!.
Temia-se o Grupo Sul como se teme o vento Sul, que sempre traz frio, chuva e certa insegurança. Daquele grupo de rapazes e moças, inquietos e renovadores, nasceria todo um trabalho em prol da cultura de Santa Catarina, até então estagnada e alienante.

REVISTA SUL
Um dos grandes produtos do Grupo Sul foi a revista Sul, de literatura e debate, editada ininterruptamente durante dez anos e responsável pela difusão da cultura catarinense em todo o mundo. Dos escritores que iniciaram publicando trabalhos na Sul muitos adquiriram projeção nacional e internacional. É o caso de Salim Miguel, Silveira de Souza, Eglê Malheiros, Aníbal Nunes Pires, Glauco Rodrigues Corrêa, Hugo Mund Jr., Walmor Cardoso da Silva e outros. Rompia-se, de fato, com uma literatura arcaica, provinciana e conservadora e partia-se para uma literatura participante, profundamente vinculada à vida, ao real.

ARTE MODERNA
A revista Sul constituiu apenas uma parte do trabalho do grupo. Paralelamente, aqueles rapazes e moças iniciavam outra atividade: o teatro, que revelaria nomes como Ody Fraga e Silva que, mais tarde, viria a ser um bem-sucedido diretor de cinema brasileiro. Também no cinema poderia ser citado Marcos Farias, integrante do grupo.
Nas artes plásticas – outra atividade constante do Grupo Sul – seriam revelados nomes como os de Hassis, Ernesto Meyer Filho, Dimas Rosa, Aldo Nunes e Hugo Mund Jr. O grupo se fortalecia, inquietava a cidade. Ao mesmo tempo, criava-se o primeiro museu de arte moderna do país e redescobria-se Martinho de Haro.

CINE-CLUBE
Ainda em fins da década de 1940 surgiria em Florianópolis o primeiro cine-clube de sua história, projetando na época os maiores filmes do cinema mundial. Trazia-se para a pacata Ilha realizações de diretores que, à época, revolucionavam a sétima arte, introduzindo novas formas de pensar a realidade. Assim, os habitantes da cidade, acostumados com a ingenuidade das produções da Atlântida e de Hollywood, começaram pouco a pouco a tomar conhecimento de nomes como Vittorio de Sica, Orson Welles, Alberto Lattuada e outros.
Na Revista Sul iniciavam-se discussões sobre a função do cinema e do cine-clube. No Rio de Janeiro, Nelson Pereira dos Santos acabava de rodar “Rio 40 Graus” – um marco na história cinematográfica nacional, já que representa o início de uma nova fase para a Sétima Arte no Brasil: o Cinema Novo. O filme partiu de uma idéia de Arnaldo Farias de fixar os mais variados aspectos da cidade, tendo como ligação alguns pequenos vendedores de amendoim. Nelson Pereira dos Santos formou uma espécie de cooperativa, colocando um novo tipo de produção, tanto em método como em proposta.

O PREÇO DA ILUSÃO
A proposta do cinema novo atingiu Santa Catarina e, diretamente, o Grupo Sul. Repentinamente, surgiu a idéia de realização de um filme, aqui, na Ilha, como resposta ao “Rio 40 Graus” de Nelson Pereira dos Santos, mostrando identicamente, alguns aspectos da cidade. O grupo discutiu e partiu para a prática.
Dizia Salim Miguel à revista Panorama, do Paraná, em 1958:
- “A idéia de se abandonar a teorização para a prática vinha de longe. Chega um dia que as salas escuras não bastam. Há necessidade da pessoa que se interessa por cinema se experimentar, fazer também suas tentativas. Debates, discussões acaloradas em torno desta ou daquela escola, análise de filmes, tudo conduzia os mais inquietos, canalizava aquele esforço e aquela pesquisa para um determinado fim”.

O grupo se organizou e pediu o apoio de intelectuais experientes na área, como Nilton Nascimento e E. M. Santos, vindos respectivamente de Porto Alegre e São Paulo. Com a ajuda financeira de pessoas da cidade e com um crédito obtido através do Banco do Estado de São Paulo, constituíram a Equipe Cinematográfica Alberto Cavalcanti, da Sul Cine-Produções, e lançaram-se à aventura – “ousadia”, no dizer de Eglê Malheiros – de fazer um filme em Florianópolis, em 1957. E fizeram “O Preço da Ilusão”, uma idéia ambiciosa, segundo Eglê, mas que representou o esforço do Grupo Sul para acompanhar os passos iniciais daquele movimento que revolucionaria o cinema brasileiro.

CRÔNICA DE UMA CIDADE
“Contando apenas com dois papéis centrais”, dizia Salim Miguel à mesma revista Panorama em 1958, “e cerca de 80 pessoas com participação de importância relativa, além de centenas de figurantes, pode-se dizer que os verdadeiros “artistas do filme” são a cidade de Florianópolis e a ponte Hercílio Luz. Praias, ruas, bares, becos, recantos pitorescos, praças e jardins, mercado, e em especial a ponte, atravessam o filme de ponta a ponta, dão-lhe uma fisionomia própria, particular, característica. Ali, então, uma humanidade como todas, com seus sonhos e desilusões, esperanças e desventuras, se locomove. E a câmera procura captar com precisão tudo aquilo”.
Esta seria uma definição aproximada do que pretende ser “O Preço da Ilusão”: a crônica, o painel de uma cidade, através da construção de duas histórias em contraponto. Com 70% de exteriores – proposta, aliás, intencional – “O Preço da Ilusão” pretendeu ser uma aula prática do que os rapazes e moças da Sul aprenderam com o neo-realismo italiano e com o cine-novismo brasileiro, então emergente.

DESBRAVADORES
Caminhos percorridos por aqueles jovens que, na década de 1950, ousaram pôr em dúvida o marasmo e o provincianismo, construindo, com garra, o primeiro filme da história de Santa Catarina.

Fonte: Matéria publicada na edição número 67 do Jornal da Semana, tablóide que circulou em Florianópolis entre 1978 e 1980.

2 comentários:

  1. ''Em 1953, não havia nem sombra de Estação Rodoviária junto à Maternidade Carmela.'' Não seria Maternidade Carlos Correa?

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